quarta-feira
Marcha Nupcial (Crônica)
Na última quarta-feira estava eu, em casa lendo 11 minutos de Paulo Coelho, bem na parte em que a personagem Maria vai trabalhar num cabaré na rua Genéve, na Suiça e que a história ta ficando excitante. De repente o telefone toca e era uma amigo dizendo que eu me apressasse pra ir ao casamento do irmão dele e que me virasse pra conseguir um CD com a Marcha Nupcial. Eu lasquei de cá:
- Como é que Companheiro? Onde raios vou conseguir essa bendita macha Nupcial.
Do outro lado da linha:
- Não sei se vire que você não é quadrado.
- Qual marcha você quer?
- Qualquer uma. Marcha é marcha. A noiva quer casar e ta pronta na porta da igreja.
Desliguei o telefone e pensei: Realmente, marcha é marcha. Liguei o computador, coloquei a minha máscara de ladrão virtual, entrei num desses sites de compartilhamento de arquivos, cliquei na procura por Marcha Nupcial e lá surgiu em minha frente dezenas de opções.
Pensei: Zorra, pra quê tanta marcha? Tinha marcha pra caramba. E sem muito tempo pra pensar, cliquei pra fazer o download de uma do Vivaldi. Não pense que eu sou conhecedor de nenhuma obra desse distinto cidadão. Mas pelo menos o nome era conhecido. Havia muitas outras opções, mas preferi o Vivaldi. Detalhe: O arquivo era menor, dava pra baixar mais rápido, enquanto vestia aquela conhecida indumentária pra casamento já que não tenho muitas.
Música baixada, joguei no Nero gravei no último CD que tinha em casa ligeiro, não dava tempo pra escutar o que baixei. Entrei no carro correndo e me mandei pra festa. Como sempre acontece quando a gente está com pressa, o vizinho me parou pra contar a última da rua detrás. Na saída do bairro tinha um caminhão da companhia elétrica repondo a fiação que roubaram poucos instantes antes, que tomava toda a pista e me atrasou cinco minutos. Colocar gasolina que sempre acaba quando a gente tem pressa. Esperar todos os sinais abrirem. Mostrar documentos na blitz (ainda bem que foi na ida). Antes de chegar na festa, lembrei de escutar o CD pra ver se tinha gravado corretamente. Coloquei no CD Player e só ouvia roncos então me lembrei da super-promoção do supermercado que me vendeu o CD virgem e meu ódio fez singelos votos pra que o dono tivesse uma dor de barriga naquela noite, e juro que isso não foi uma praga.
Voltar pra casa não dava mais, pois meu amigo me ligava de dois em dois minutos. Lembrei então que a caminho de onde seria celebrada a cerimônia havia um estúdio de gravação onde o dono por ser meu conhecido, poderia me conseguir um CD virgem.
Tudo certo. O estúdio tava aberto e ele me conseguiu dois CDs, porém me avisou:
- Um está gravado com um monte de besteira e o outro tá virgem.
Para minha sorte, havia gravado a música no notebook e por conta disso ficou fácil gravar novo CD enquanto dirigia-me a festa, onde uma noiva ansiosa pra casar e se entregar eternamente ao seu amado esperava do lado de fora da igreja pela trilha sonora que embalaria aquele momento inesquecível. Quando me preparava pra dar uma escutadinha básica no CD o telefone toca de novo. Dessa vez era a própria noiva me perguntando se queria deixá-la sem casar e garanti pra ela que estava a cem metros de distância dela. Dessa vez era verdade, mal desci do carro e já veio meu amigo buscar o CD em minha mão.
- Você salvou o casamento cara, valeu mesmo.
Eu todo orgulhoso disse que não era nada e que foi um prazer ajudar, fechei o carro e entrei correndo pra ver a entrada da noiva que me acenou simpaticamente ainda do lado de fora.
Ví uns cochichos e percebi que alguém discretamente foi buscar a noiva lá fora, enquanto procurava a melhor posição para assistir aquela linda cerimônia de noivos cristãos. Isso mesmo, cristãos. Evangelicos daqueles tão tradicionais que até véu usam.
Dentro de instantes surgiu na porta da igreja uma noiva bonita e resplendorosa, vi alguém fazer um sinal e entrou a música em alto volume. Já estranhei nos três primeiros acordes que algo estaria muito errado. E realmente estava, pois no lugar de uma clássica Marcha Nupcial era Lindiomar Castilho quem estava cantando “você é doida demais”. Rapidamente meu amigo mudou de faixa e entrou o MC Serginho cantando “Vai Lacraia, Vai Lacraia...” Ví no rosto da noiva, do noivo e de todos os irmão de igreja uma expressão de repulsa misturada com nojo. Meu amigo me olhou sem entender nada e mudou novamente de música. Outra surpresa. Dessa vez foi “Fuscão Preto” que rodou na vitrola.
Enquanto eu corria pro carro pra pegar o outro CD certo, tomei uma topada e caí por cima da mãe da noiva que me chamou de endiabrado e disse que eu tava com o demônio no corpo.
E que aquilo tudo era obra do maligno pra atrapalhar a felicidade de sua filha, mas que o mal estava repreendido e que a filha dela ia casar sim.
Enquanto me levantava e pedia inutilmente desculpas a todos percebi que o nível do CD tava melhorando e acabava de ouvir “Hotel California”na versão revisitada de Emmerson Nogueira. Antes que eu conseguisse sair da igreja percebi que a noiva começou a caminhar em direção ao altar, e o curioso é que estava sorridente como quem tinha entendido a moral da história.
Em um canto da fila escutei alguém dizer:
- Essa é a música deles, deve ter sido Carlos, seu noivo quem pediu pra colocar essa. Ai que romântico.
Meu amigo, que tava sendo o diretor musical daquela tragédia já sem controle, percebeu que a noiva estava se movimentando em direção ao altar e deixou a música rolar com direito até a um volumezinho.
O noivo sorriu vendo que tudo estava se alinhando e já dava até pra se ver surgir por ali as choradeiras dos familiares pela emoção do momento. A música que entrou acidentalmente foi a música que tocou no primeiro beijo deles há cinco anos atrás.
Por ambos haverem se convertido a outra religião não escutavam mais essas músicas seculares, entretanto naquele momento importante havia de se abrir uma exceção.
O casamento foi lindo, a noiva chorou tanto que até borrou a maquiagem e no final fora contabilizado dois desmaios. Carlos, como era crente e não poderia mentir, apenas ficou calado e não negou nem confirmou que não fora escolha dele a música. Também nem precisava dizer mais nada, agora sua moral e criatividade na família estava em alta e seria bobagem perder tempo com explicações desnecessárias.
Hermano correu, bateu a mão no meu ombro e disse:
- Amigão, você mandou bem. Essa aí encaixou melhor que essa tal de marcha.
Relaxei um pouco, comí uns docinhos, tomei uns guaranás (festa de crente é igual a festa de criança, é só bolo e guaraná) em seguida fui disfarçadamente ouvir a marcha. Ao colocar a sinfonia pra tocar notei que nos primeiros acordes eram até imponentes, mas assim que escutei direito, dei graças a Deus por ter levado o CD errado. A música do Vivaldi é nada mais nada menos, que uma que já tem uma versão esculhambada pelo povo:
“Até que enfim!
Até que enfim!
Achei um trouxa que gosta de mim.”
Comecei a imaginar a noiva entrando e aquela sinfonia tocando, pensei no noivo constrangido, nos parentes rindo e desliguei imediatamente o som do carro. Antes de voltar para os bolos, casadinhos e quitutes eu disse pra um bêbado que ia passando:
- Realmente, Deus escreve certo por linhas tortas. - e ele me disse:
- Ela ta torta, mas depois acerta! Vai pra porra.
Nota: No dia seguinte fui a uma loja de variedades e comprei dez CDs de ópera que estavam em promoção, inclusive com a Marcha Nupcial do Mendel, aquela boa que usam nas novelas. Só falta agora tomar coragem pra escutar.
Roberto Kuelho é cantor, compositor e "amigo das palavras".
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